Total visualizações

07 maio 2018

Poetas Contemporâneos (Cont.)


Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, nasceu em 1907 em Vila Real. Torga foi um dos mais importantes poetas do século XX deixando mais de 50 obras publicadas e sendo várias vezes indicado para o Prémio Nobel da Literatura. Destacou-se também enquanto contista e memorialista, mas escreveu também romances, peças de teatro e ensaios. Recebeu diversos prémios nomeadamente o Prémio Camões em 1989. Faleceu em 1995, em Coimbra.

Sísifo

Recomeça… 
Se puderes, 
Sem angústia e sem pressa. 
E os passos que deres, 
Nesse caminho duro 
Do futuro, 
Dá-os em liberdade. 
Enquanto não alcances 
Não descanses. 
De nenhum fruto queiras só metade. 

E, nunca saciado, 
Vai colhendo 
Ilusões sucessivas no pomar 
E vendo 
Acordado, 
O logro da aventura. 
És homem, não te esqueças! 
Só é tua a loucura 
Onde, com lucidez, te reconheças. 

                                                                                       Miguel Torga, Diário XIII

O nome do poema remete para o mito grego de Sísifo. Sísifo vivia como se a morte, a mudança, e a renuncia para ele não existissem, sendo condenado a rolar uma pedra monte acima, repetidamente, para a eternidade; porém quando chegava ao topo a pedra rolaria monte abaixo.
Sísifo simboliza o recomeço e a persistência – e representa as diversas situações da nossa vida, quando estamos prestes a cumprir um objetivo, mas algo nos obriga a começar de novo.
É notório um incentivo a sermos ambiciosos “de nenhum fruto queiras só metade” e a nunca desistirmos de nada “enquanto não alcances não descanses”. Sendo utilizado como exemplo uma caminhada - “e os passos que deres, nesse caminho duro do Futuro”, visto que o futuro é tão incerto como uma caminhada não sabemos que obstáculos se atravessaram no nosso caminho, e tal como na vida temos que escolher o nosso percurso e sofrer as consequências das nossas escolhas, contudo se falharmos temos que recomeçar e não deixar que isso nos pare, temos sonhos, objetivos que se não agirmos não passaram de ilusões “e nunca saciado, vai colhendo ilusões sucessivas no pomar”
São visíveis marcas de intertextualidade nos versos 17, 18 e 19, com a obra” Mensagem” de Fernando Pessoa – poema “D. Sebastião Rei de Portugal”. F. P procura ser a voz da consciência acreditando que o país em decadência conseguirá reabilitar a sua glória, através da loucura → ambição, sonho. É visível assim uma similaridade no incentivo ao que nos destinge enquanto Homem, a Loucura.


Nuno Júdice nasceu em 1949 no Algarve, é ensaísta, poeta ficcionista e professor universitário. A sua estreia literária deu-se em 1972 com A Noção de Poema. A sua obra inclui antologias, edições de crítica literária, estudos sobre Teorias da Literatura Portuguesa - lançou, em 1993, a antologia sobre literatura portuguesa do século XX, em França. Organizou a Semana Europeia da Poesia, no âmbito da Lisboa '94 - Capital Europeia da Cultura.


Carpe Diem
Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? "Não", dizes, "nada me obrigará
à renúncia de mim próprio --- nem esse olhar
que me oforece o leito profundo da sua imagem!"
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.
                                                               Nuno Júdice

Sendo a inevitabilidade da morte e como esta está sempre presente no pensamento humano o tema principal do poema, o sujeito poético reflete, preocupado e ansioso, na forma como que o Homem vive.
“Carpe Diem”- aproveita o dia - é o titulo do poema, pois é feito um incentivo ao leitor a aproveitar a vida, viver o presente e deixar de pensar na morte e no destino.
“Fogem-te, por entre os dedos, os instantes” remete para a brevidade da vida, assim como a expressão “nome inútil” remete para a morte. Contudo, o sujeito poético assume-se como louco dizendo “não”, pois apesar de sabermos que a morte é o nosso destino não conseguimos renunciar enquanto seres humanos ao pensamento da morte aproveitando o que está à nossa frente.


Vasco Navarro Graça Moura nasceu no Porto em 1942. Foi um nome central da literatura portuguesa na segunda metade do século XX, e um dos maiores defensores da língua portuguesa contra o “Acordo Ortográfico”. Era também ensaísta, dramaturgo, cronista, tradutor de clássicos, ficcionista, escritor e político português. Faleceu em 2014.
  
Insinceridade
quis-nos aos dois enlaçados
meu amor ao lusco-fusco
mas sem saber o que busco:
há poentes desolados
e o vento às vezes é brusco

nem o cheiro a maresia
a rebate nas marés
na costa de lés a lés
mais tempo nos duraria
do que a espuma a nossos pés

a vida no sol-poente
fica assim num triste enleio
entre melindre e receio
de que a sombra se acrescente
e nós perdidos no meio

sem perdão e sem disfarce,
sem deixar uma pegada
por sobre a areia molhada,
a ver o dia apagar-se
e a noite feita de nada

por isso afinal não quero
ir contigo ao lusco-fusco,
meu amor, nem é sincero
fingir eu que assim te espero,
sem saber bem o que busco.

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"

A poesia de Vasco Graça Moura é caracterizada por um tom melancólico e reflexivo e a sua escrita é rigorosa e formal,  baseada na tradição da lírica portuguesa.
Neste poema o sujeito poético mostra um desejo pessoal e íntimo de estar “enlaçado” ao seu amor ao anoitecer, pelo recurso ao verbo no passado, “quis-nos”, é dado a entender que no decorrer do poema esta vontade mudará.
O sujeito poético revela não saber o que procura ao certo, sendo os elementos naturais, como o pôr do sol e o vento, caracterizados negativamente.
É feita uma analogia, onde o cheiro a maresia, que normalmente é duradouro, duraria menos tempo que a espuma nos pés, o que demonstra que a vontade de estar com o seu amor no” lusco fusco” tinha sido passageira.
À medida que o “sol-poente” vai acabando, o sujeito poético vai ficando triste com receio e vergonha de se perder no anoitecer. Quando a noite e a escuridão chegam, o sujeito poético sabe que não precisará de esconder possíveis pistas do seu encontro, contudo é nesse momento que se apercebe e assume ser “insincero”, relativamente ao seu amor, este e continua sem saber o que verdadeiramente procura.
Sofia Ferreira
Sofia Reis
12ºB

Imagem 2 - 

770 × 1070As imagens podem estar sujeitas a direitos de autor.
Saatchi Art: Carpe Diem Painting by Christel Haag

Sem comentários: