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29 abril 2018

Português 12º - Dúvidas?

Não chegaram pedidos de esclarecimento.
Assim, conforme solicitaram, e com as reservas do costume, deixo apenas as correções dos exercícios do Manual previstos. 
Atenção, sobretudo no caso do poema de Manuel Alegre, os cenários de resposta são assaz pobres. No nosso exercício e em exame, teriam de reforçar a resposta, sobretudo na questão 1.

26 abril 2018

Poetas contemporâneos - leituras

Miguel Torga é o pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, o qual nasceu a 12 de agosto de 1907 e faleceu a 17 de janeiro de 1995 aos 87 anos; é considerado um dos escritores mais influentes do século XX, tendo recebido os seguintes prémios: Prémio Morgado de Mateus (1980); Prémio Montaigne (1981); Prémio Camões (1989); Prémio da Crítica da Associação Portuguesa de Críticos Literários (1993) entre outros.
O seu pseudónimo tem origem em 1934 como homenagem aos escritores Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno, daí o nome Miguel, e às suas origens serranas, pois Torga é o nome de uma planta brava. 
Dies Irae

Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!
                                                                    Miguel Torga
O poema “Dies Irae” trata a frustração do povo português ao ser oprimido pelo “fantasma” (regime ditatorial) por não poder realizar os seus desejos. Ao longo do poema, o autor retrata a “maldição do tempo em que vivemos” ao evidenciar ações apetecíveis (a forma verbal «Apetece» surge anaforicamente seis vezes) - cantar, chorar, gritar, fugir, morrer, matar - e que, no entanto, são proibidas.
No final do poema é apresentada diretamente a angústia vivida e a crítica do tempo do regime ditatorial, apresentado como estagnado, morto - "Sepultura", "angústias paradas".


Manuel Alegre

Escritor e político com 81 anos, nasceu a 12 de maio de 1936 e é um dos escritores mais importantes da atualidade do nosso país. Ganhou diversos prémios dos quais se destacam o Grande Prémio de Poesia APE/CTT (1998); Prémio Pessoa (1999); Prémio Fernando Namora (1999); Grande Prémio de Literatura dst (2016) e Prémio Camões (2017) .




Coisa Amar

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.


Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.


Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói


desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.


O poema “Coisa amar” cria uma relação de intertextualidade com a escrita camoniana, sendo uma homenagem a Camões, ao amor e ao mar; através da parecença entre as palavras “mar” e “amar” é são apresentadas “as coisas perigosas” que  estas palavras têm em comum.
O poema conta com alusões/referências diretas e indiretas a Camões tais como: “Contar-te longamente as perigosas coisas do mar” (Os Lusíadas), “Amor ardente. Amor ardente” - (poema "Amor é fogo que arde sem se ver") e a referências à ilhas dos amores- “ilhas misteriosas”.

J. Lopes e Leonardo C.

Poetas contemporâneos - leituras (Eugénio de A. e Ruy Belo)

 Ruy Belo (1933-1978)
Nascido em Rio Maior, foi um poeta e ensaísta português. Estudou Direito em Coimbra e em Lisboa, tendo ido para Roma logo de seguida, onde tirou um doutoramento em Direito Canónico. Foi diretor literário da Editorial Aster, chefe de redação da revista Rumo e exerceu um cargo de diretor-adjunto no Ministério da Educação Nacional. Escreveu sobre a religião e a metafísica, sob a forma de interrogações acerca da existência, como em Boca Bilingue (1966), Homem de Palavra (s) (1969) e País possível (1973). Nos seus poemas conjugam-se domínios das técnicas poéticas tradicionais. A sua obra Obra poética de Ruy Belo (1981) é considerada uma das obras cimeiras da poesia portuguesa contemporânea.




Soneto Superdesenvolvido
É tão suave ter bons sentimentos,
consola tanto a alma de quem os tem,
que as boas acções são inesquecíveis momentos
e é um prazer fazer o bem.


Por isso, quando no Verão se chega a uma esplanada
sabe melhor dar esmola que beber a laranjada,
consola mais viver entre os muito pobres
que conviver com gente a quem não falta nada.


E ao fim de tantos anos a dar do que é seu,
independentemente da maneira como se alcançou,
ainda por cima se tem lugar garantido no céu,
gozo acrescido ao muito que se gozou.


Teria este ... se não tivesse outro sentido,
ser natural de um país subdesenvolvido.
                                                                       Ruy Belo

Constituído por 3 quadras e um dístico, este poema insere-se na obra intitulada  País Possível (1973) que tem como tema principal a vida num Portugal opressivo, anterior à Revolução de Abril. É abordado como um país real onde são destacados os seus princípios e figuras principais, convidando a uma reflexão sobre o Portugal futuro, a uma outra alternativa de país.
Neste poema, o autor ironiza a atitude de caridade por parte das classes sociais mais altas e de resignação por parte dos pobres pois não há lugar nem voz para estes: servem apenas como um meio pela qual os mais ricos podem realizar boas ações e garantirem a sua satisfação pessoal. Ou seja, através do humor, são desvendadas as verdadeiras intenções da caridade das pessoas: para além de garantir consolo pessoal, abre também caminho para a aquisição de benefícios numa outra vida pois “independentemente da maneira como se alcançou,/ ainda por cima se tem lugar garantido no céu,/ gozo acrescido ao muito que se gozou.” Afinal de contas, tudo isto é “natural de um país subdesenvolvido”.


Eugénio de Andrade (1923-2005)
José Fontinhas, nascido no Fundão, frequentou o Liceu Passos Manuel, em Lisboa, tendo escrito os seus primeiros poemas com apenas 13 anos de idade e publicado o seu primeiro livro em 1940, Narciso. Completou o seu serviço militar em Coimbra e, posteriormente, regressou a Lisboa e tornou-se Inspetor Administrativo do Ministério da Saúde. Travou diversas amizades com personalidades portuguesas e estrangeiras como Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner Andersen e Marguerite Yourcenar. Ganhou inúmeros prémios nacionais e internacionais, entre eles o Prémio Camões, em 2001. Algumas das suas obras são As mãos e os frutos (1948), Os amantes sem dinheiro (1950), Branco no branco (1984), Ofício de paciência (1994) e O sal da língua (1995). 
No dizer do poeta e crítico Pedro Mexia, é "Um poeta que entendeu a poesia como um instrumento da alegria."


Poema à mãe

 No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"

Leitura 1. (Luana e Márcia) 
Este poema, inserido na obra Os amantes sem dinheiro (1950), aborda o tema da relação entre mãe e filho, numa idade já mais avançada deste, em que já não é a criança a que a mãe estava habituada e, agora, restam apenas as recordações daquilo por que passaram, guardadas na memória de cada um. São-nos apresentadas perspetivas do presente e do passado: no passado, era uma criança feliz, onde o amor que recebia era exclusivo; ao contrário do presente, em que  é um jovem adulto com necessidade de um outro amor.
O autor convida-nos a uma reflexão acerca da nossa evolução, revelando um sentimento de culpa apontado às causas do desencontro afetivo, que era inevitáveis, acabando o poema com uma despedida da figura materna, dizendo “Boa noite. Eu vou com as aves.” que representa a separação física e psicológica da sua infância. 

Leitura 2. (Nuno e Tiago)
Há uma relação entre mãe e filho que foi traída pelo crescimento do último bem como pela sua vontade de descobrir o mundo para além dos seus horizontes. A mãe quer que este não se vá; porém, o filho, que pode ser interpretado como o próprio Eugénio de Andrade devido à semelhança entre poeta e sujeito poético, decide ir-se embora com as memórias do passado e o amor à sua progenitora.


Alexandre O’Neill (1924-1986)
Nascido em Lisboa, foi um poeta do movimento surrealista português, tendo publicado os seus primeiros poemas com apenas 17 anos mas só foi reconhecido como poeta em 1958 com a publicação No reino da Dinamarca. Para além de poesia, dedicou-se também a prosa, traduções e publicidade. Os seus textos têm como característica uma grande sátira a Portugal e aos portugueses. Trabalhou ainda temas como a solidão, o amor, o sonho e a passagem do tempo. Possui obras como Poemas com endereço (1962), As andorinhas não têm restaurante (1970), Entre a cortina e a vidraça (1972) e Uma coisa em forma de assim (1980).

Seis poemas confiados à memória de Nora Mitrani
                                         Nora Mitrani - A Paixão Ardente.  Fotógrafo:Fernando Lemos, 1949
V
Eu estava bom p’ra morrer
nesse dia.
Não tinha fome nem sede,
nem alarme ou agonia.

Eu estava tal como está
esse que perdeu a amiga,
o homem que sofreu já
tanto (nem se imagina!)

que ficou bem atestado
de fadiga
e copiou-se em alegre,
mas de uma torpe alegria,

que não era mesmo alegre,
mas alegre se fingia
só para enganar o morto
que dentro de si trazia.

Este é um modo de dizer
em que ninguém acredita,
mas não sei melhor dizer:
era assim que eu me sentia!

A solidão o que era?
O amor o que seria?
Já ninguém à minha espera,
para nenhures é que eu ia.

Eu estava bom p’ra morrer
— e ainda hoje morria…
Assim me quisesses dar
e tirar — só tu! — a vida.
                                           Alexandre O’Neill

Este poema encontra-se na obra Poemas com endereço (1962) e faz parte de um conjunto de poemas que o autor escreveu dedicados a Nora Mitrani, uma grande paixão sua, que se suicidou em 1961, deixando O’Neill com um grande desgosto. Estes 6 poemas foram escritos com a mão pesada da dor, um ano após a morte de Nora.
O sujeito poético diz-nos que estava pronto para morrer com a sua amada mas que a vida assim não o quis e que continua cá, fingindo ser feliz  - "não era mesmo alegre/mas alegre se fingia" - quando, no fundo, já ele próprio está morto:"o morto que dentro de si trazia". Mostra-nos um sofrimento profundo de alguém que acabou de perder uma pessoa bastante chegada a si e que agora se encontra sozinho, “Já ninguém à minha espera”.

Luana e Márcia

Poetas contemporâneos - Torga

Miguel Torga nasceu em Vila Real, a 12 de agosto de 1907 e este nome é pseudónimo literário de Adolfo Correia Rocha. É autor de uma extensa e diversificada obra, compreendendo poesia, diários, memórias, ficção (contos e romances), teatro, entre outros; também exerceu medicina, em Coimbra. Miguel Torga foi um dos mais influentes poetas e escritores do século XX, sendo-lhe atribuídos vários prémios, como o Prémio Internacional de Poesia e o Prémio Camões em 1989. Faleceu em 1995, em Coimbra. 




Sísifo
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

                                            Miguel Torga, Diário XIII

Leitura 1. (Carolina e Bruno)

Sísifo, segundo o mito, foi um homem condenado a um duro castigo, pior que a morte: teria de empurrar uma pedra até ao cimo de um monte, caindo a pedra sempre que o topo era atingido. E este processo era incessantemente repetido até à eternidade.
Há uma aproximação ao mito: o sujeito poético motiva para o cumprimento de um objetivo, incentivando-nos a não desistir e a sermos ambiciosos, dando o exemplo de uma caminhada, como metáfora da existência: “e os passos que deres/Nesse caminho duro (...)“
Mais adiante, é sugerido que nunca nos deixemos tomar por vencidos, apesar da nossa natureza - apesar de essa vontade ser uma ilusão causada pela maneira de ser do homem “Vai colhendo/Ilusões sucessivas no pomar". Associa a natureza humana à insanável contradição, expressa pelo oxímoro - "Só é tua a loucura/Onde, com lucidez, te reconheças", loucura enquanto ambição, sonho; lucidez associada ao «reconhecimento», à consciência.

Leitura 2. (Leonardo e João)
Através da referência ao mito de Sísifo, Miguel Torga realizou este poema motivacional onde defende que cada um deve escolher o seu caminho, que não o deve deixar a meio por mais que ele seja difícil e que não nos podemos esquecer do nosso objetivo.
O poema termina com o poeta a lembrar-nos da nossa loucura, a mesma loucura com que Fernando Pessoa caracterizou D. Sebastião em Mensagem. Loucura essa que remete para a ambição do Homem em alcançar os objetivos/sonhos.


Prospecção

Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.

Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto

                                            Miguel Torga

Inicialmente, o poeta apresenta-nos as suas intenções: procura de um “tesoiro sagrado”, ou seja, a de  si próprio. No 6º verso, remete para a solidão, no sentido em que o sujeito poético não se conforma com a solidão pré-destinada ao ser humano, a qual o faz sentir-se num vazio, sem ainda se ter encontrado.
Em seguida, o poeta específica essa busca, contando as etapas/o trabalho árduo que ele deve ultrapassar para se encontrar - «puro como um deserto» utilizando a poesia como meio para o conseguir, pois fazer poesia requer a mesma busca intensa de não copiar ou seguir modelos impostos, mas descobrir o seu próprio modelo.
Tal como o nome indica, este poema apresenta-nos a busca minuciosa e com método, efetuada pelo sujeito poético com o objetivo de se encontrar a si próprio: a sua própria humanidade.
 (completar)

Poetas contemporâneos e os seus leitores

Começamos hoje  a publicar os poemas selecionados pelos vários pares e as respetivas propostas de leitura. Estas publicações alargam e substituem a informação dispersa em vários comentários. Os contributos são publicados a par dos textos, de acordo com a autoria do trabalho.

Abaixo el-rei Sebastião
(Poema no Manual) 
É preciso enterrar el-rei Sebastião
é preciso dizer a toda a gente
que o Desejado já não pode vir.
É preciso quebrar na ideia e na canção
a guitarra fantástica e doente
que alguém trouxe de Alcácer Quibir.

Eu digo que está morto.
Deixai em paz el-rei Sebastião
deixai-o no desastre e na loucura.
Sem precisarmos de sair o porto
temos aqui à mão
a terra da aventura.

Vós que trazeis por dentro
de cada gesto
uma cansada humilhação
deixai falar na vossa voz a voz do vento
cantai em tom de grito e de protesto
matai dentro de vós el-rei Sebastião.

Quem vai tocar a rebate
os sinos de Portugal?
Poeta: é tempo de um punhal
por dentro da canção.
Que é preciso bater em quem nos bate
é preciso enterrar el-rei Sebastião.

                                                           Manuel Alegre
Manuel Alegre retrata o mito Sebastianista, ou seja como algo que se alojou no pensamento nacional como uma erva daninha que nos impossibilita de mudar e agir.
El-rei Sebastião simboliza, neste poema, o sonho e a loucura como na Mensagem, mas também a espera interminável da mudança, sendo então associada a uma dupla adjetivação: «a guitarra fantástica e doente / que alguém trouxe de Alcácer Quibir», esta guitarra que trouxeram de África «dá-nos música» e cria-nos uma ilusão fantástica e doente porque nos consome e não nos deixa atuar. No poema existe uma anáfora: «é preciso enterrar…/ é preciso dizer…/ é preciso quebrar/ é preciso bater…/ é preciso enterrar» que mostra a urgência da mudança, como algo indispensável.
D. Sebastião «está morto» e enterrado no passado: «Deixai em paz el-rei Sebastião»; devemos deixar de ficar focados no passado, pois o mesmo impossibilita-nos de viver o futuro, tema também retratado na peça Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett. D. Madalena é o espelho desta situação, vivendo focada em D. João de Portugal, seu passado, não vivendo o seu presente e o seu futuro como poderia viver.
Manuel Alegre critica a sua sociedade repressiva dos anos 60 através do poema, encorajando-a a deixar D. Sebastião no passado e mudar, fazer com que «na nossa voz a voz do vento» soe ou, seja que tenha mais força a mudança do que os mitos e ideias fantásticas, tornando a vida mais real.
Para Manuel Alegre os poetas devem impulsionar esta ideia, são aqueles que devem colocar «um punhal dentro da canção», têm o dever de impelir esta mudança enfrentando medos.
Em suma, num tempo de inatividade, de sonhos impossíveis onde não há revolta, Manuel Alegre esperançoso, acredita que ainda vamos a tempo de mudar. A poesia tem esse papel, o de abrir os olhos à sociedade para a fazer mudar.

Aos Poetas

Somos nós
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos...
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.

Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar...

Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.

Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.

E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.

Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.

Homens do dia-a-dia
Que levantem paredes de ilusão.
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão.

                                                                     Miguel Torga, in 'Odes'
Aos poetas
Miguel Torga no poema «Aos Poetas» faz uma alusão à Fábula da cigarra e da Formiga de Esopo, escritor da Grécia Antiga, do século VI a.C., comparando os poetas às cigarras. À imagem delas os poetas são aqueles que têm o dever de cantar para a sociedade, tornando-a mais bela. A referência à cultura cigana remete-nos para uma ideia de mudança, para os que não se deixam ficar no mesmo sítio pois o povo cigano é nómada.
Segundo Miguel Torga, são os poetas que têm «asas sonoras», que têm o dever de cantar sobre a amizade, a paz e o amor universal, «de todos os feitios e maneiras», pois somos todos «Crias de Adão e Eva» e «Homens da torre de Babel», ou seja de todas as línguas e culturas, independentemente «Da cor que o sol lhes deu à flor da pele». O sujeito poético expressa a sua opinião acerca da natureza da poesia e do ofício de poeta: «Somos nós …» os poetas quem tem esse dever - o de realçar a nossa comum humanidade, a fraternidade universal. 

Emprego e desemprego do poeta 
 Deixai que em suas mãos cresça o poema
como o som do avião no céu sem nuvens
ou no surdo verão as manhãs de domingo
Não lhe digais que é mão-de-obra a mais
que o tempo não está para a poesia

Publicar versos em jornais que tiram milhares
talvez até alguns milhões de exemplares
haverá coisa que se lhe compare?
Grandes mulheres como semiramis
públia hortênsia de castro ou vitória colonna
todas aquelas que mais íntimo morreram
não fizeram tanto por se imortalizar

Oh que agradável não é ver um poeta em exercício
chegar mesmo a fazer versos a pedido
versos que ao lê-los o mais arguto crítico em vão procuraria
quem evitasse a guerra maiúsculas-minúsculas melhor
Bem mais do que a harmonia entre os irmãos
o poeta em exercício é como azeite precioso derramado
na cabeça e na barba de aarão (1)

Chorai profissionais da caridade
pelo pobre poeta aposentado
que já nem sabe onde ir buscar os versos
Abandonado pela poesia
oh como são compridos para ele os dias
nem mesmo sabe aonde pôr as mãos

Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates"

(1) figura bíblica, comum às três grandes religiões; irmão de Moisés.

Emprego e desemprego do poeta
No poema de Ruy Belo, existe uma crítica a algum tipo de poetas. Segundo o sujeito, o poeta deve deixar crescer o poema, e não se desculpar para não o fazer, uma vez que a poesia está em tudo o que vemos. O poeta deve escrever pelo amor ao seu ofício, não para «Publicar versos em jornais que tiram milhares» ou «chegar mesmo a fazer versos a pedido».
Ruy Belo faz uso de nomes de várias poetisas importantes da Antiguidade ao século XVI (casos da humanista portuguesa Públia Hortênsia de Castro ou da italiana Vittoria Colonna) as quais escreviam pelo gosto de o fazer sendo conhecidas por isso mesmo, instigando os poetas modernos a segui-las enquanto modelo. Existe uma comparação no poema: «o poeta em exercício é como azeite precioso derramado/ na cabeça e na barba de aarão», enaltecendo o poeta, dizendo que o mesmo tem o dom e foi escolhido para a poesia (no Salmo 133,  David apresenta  a cena da unção do sacerdote Arão. O óleo “precioso” para ungir conhecido como “o óleo da santa unção” é derramado na sua cabeça e desce-lhe pelas barbas até às vestes).

19 abril 2018

Vídeos e textos no Dia do Patrono


Importante| visitar a sala de Português (A 1 04) para ver os  trabalhos - vídeos e painéis A3 com os textos sobre a infância 
Fernando Pessoa e eu
- uma ponte para a infância -

Out.-nov. 2017
12º A e 12º B

 

“Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez”

Álvaro de Campos



 “O que mais me entristece é não puder reviver fisicamente acontecimentos da minha infância.”
I. Lemos|12ºB