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29 janeiro 2017

Português -12º - preparar o Exame - Prova 639

Depois de terem completado as revisões,  vamos começar a preparar o exame...e o exercício. Usem esta ou outras provas.

Para amanhã à tarde (sessão de preparação para Exame), deixo um ex., de 2014 - 2ª fase.


Álvaro de Campos - "o tédio da rotina"

Apesar de Álvaro de Campos fazer apelo “às coisas todas modernas” e de querer “sentir tudo de todas as maneiras”, na sua poesia também é realçado um contraste entre o sujeito poético e os “outros”.

       Os “outros” cumprem, de acordo com o poema “Lisbon revisited”, o que a sociedade espera que façam- “Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável”, mas o poeta nega tudo isso- “Não: não quero nada”, sente-se cansado de uma rotina a que não se habitua e que acaba por “nos meter num caixão”.

      Então, o sujeito poético refugia-se nas memórias dos tempos de infância que eram vividos inconscientemente e despreocupados das consequências que a passagem do tempo comporta: as mortes, o tempo, a preocupação de rejeitar ou corresponder ao que a sociedade espera.

Reflexão de Linda Inês
(ex-Nº20 12ºA)

23 janeiro 2017

Álvaro de Campos - "o filho indisciplinado das sensações"

“E, de repente, (...)surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo: Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.” Fernando Pessoa (na carta a Adolfo Casais Monteiro)



Álvaro de Campos, segundo FP, teve uma educação de Liceu; depois foi para Glasgow, Escócia, estudar engenharia naval, após o que veio viver em Lisboa.


O final do século XIX e o início do século XX trouxeram uma explosão nunca vista de invenções, descobertas, novas dinâmicas sociais, cidades agitadas, um mundo civilizacional e industrializado que consome as vidas, numa estranha mas fascinante voragem.

Amadeu de Sousa Cardoso (1887-1918), o nosso principal pintor modernista.
Viveu em Paris e foi um dos pioneiros deste movimento

As artes plásticas e a literatura sentem o imperativo de dar conta, compreender, valorizar ou questionar essa voragem. Na Europa e nos Estados Unidos surgem vários movimentos artísticos associados ao que veio a chamar-se MODERNISMO:

- Valorizar o novo, o emergente, o dinamismo, a ação, contra a tradição, o saudosismo e a melancolia

- Exaltar o mundo moderno e as suas conquistas: máquinas, obras de engenharia, movimento, voragem, velocidade

- Retratar o espaço urbano, por excelência – cidades, ruas, avenidas, portos, cafés, teatros...


- Num mundo pleno de sensações novas e intensas e de planos que se cruzam/ intercetam, a arte tem de traduzir essa febre, essa voragem
Vejamos como o Sr. engenheiro Álvaro de Campos  traduziu esse mundo impetuoso, brutal, belo,  no mais conhecido poema que espelha esta nova mundanidade - a "Ode Triunfal".

A "Ode Marítima" - que não podem deixar de ler - traz-nos aparentemente a mesma temática, mas é já doutra constelação...



Ode Triunfal

À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.


Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
(...)
Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó últimos figurinos!
Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias secções!
Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!
Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos!
Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!
Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!


Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente.
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
Ó coisas todas modernas,
Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!
(...)


Eia! eia! eia!
Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia-hô! eia!
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!
Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!
Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!


Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!


Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!
«Londres, 1914 — Junho.»
  Álvaro de Campos                                                                             
«Dum livro chamado Arco do Triunfo, a publicar.»   

In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002,  disponível em Casa Fernando Pessoa, http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=2245, consultado em 31 de janeeiro de 2012.

Outros poemas de Álvaro de Campos: http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=2245

Ode Triunfal


 Fábricas, no início do século XX


ODE TRIUNFAL


À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical —
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força —
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo! 


 Alfa Romeo, modelo 12 HP, 1910



Vulcan 15.9 landaulette de 1914













13 janeiro 2017

Fernando Pessoa ortónimo


  • Lê atentamente. Regista no caderno as frases-chave de cada um dos textos.
 A
 (…) Para Fernando Pessoa, recordar não é reviver, é apenas verificar com dor que fomos outra coisa cuja realidade essencial não nos é permitido recuperar. Vimos da sombra e vamos para a sombra. Só o presente é nosso, mas que é o presente senão a linha ideal que separa o passado do futuro?

Assim toda a vida é fragmentária, a personalidade una é uma ilusão, não podemos apreender em nós uma constante que nos identifique. O sentimento heraclitiano da transitoriedade das coisas conduz à negação do eu. Viver no tempo é depararmo-nos com o vazio de nós próprios: «Quem me dirá quem sou?» (…)

[Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Editorial Verbo, 1979, Ser e Conhecer-se, pág. 89]


(…) Ele tinha o seu laboratório de linguagem. Estava consciente disso, e espantava-se e maravilhava-se como se tudo se passasse fora dele. «No lado de fora de dentro», como ele próprio diria. Porque era realmente dentro dele que se produzia a obra, que se aceleravam os mecanismos que acompanham a produção de palavras, de metáforas, de versos, de poemas, de odes inteiras. 

Observava-se, examinava atentamente o trabalho rigoroso do poeta, as transformações sofridas por essa matéria-prima (as sensações) de que emergia a linguagem. Matéria-prima ou transformada, porque se tratava também dos efeitos das palavras sobre a receptividade dos sentidos; não importa: por uma dessas reviravoltas em cascata em que ele era mestre, e graças às quais o segundo se torna primeiro, o direito, avesso, ou o dentro, fora, o seu próprio laboratório poético transformou-se em matéria de linguagem; produtor de sensações aptas a converter-se em poema. (…)

[José Gil, Fernando Pessoa ou a Metafísica das Sensações, Relógio d’Água, 1996, O Laboratório Poético, pág. 9]


C
(…) Não: a vida de Pessoa é na verdade a vida ideal do poeta; Pessoa é, como homem, a imagem da imobilidade. Ninguém quis ser menos aparente; toda a sua vida se envolve, não direi, porque detesto romantizar, de mistério, mas sim de discreto pudor, de amor ao silêncio e à contemplação. (…)

[Adolfo Casais Monteiro, A Poesia de Fernando Pessoa, INCM, 1985, O Insincero Verídico, pág. 89]



As três citações acima transcritas estão publicados na página da CASA FERNANDO PESSOA