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14 outubro 2015

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Para quem só registou os exercícios, fica o texto que serviu como suporte à ficha sobre funções sintáticas, na aula de Gramática. Pode ser uma sugestão com interesse para outras leituras.


Era o dia 28 de Wintarmanoth do ano da graça de 814, o inverno mais rigoroso de que havia memória.

         Hrotrud, a parteira da aldeia de Ingelheim, avançava penosamente pela neve, a caminho da cabana do cónego. Uma rabanada de vento agitou as árvores, espetando dedos gelados no seu corpo que procuravam penetrar através dos buracos e dos remendos das suas finas vestes de lã. O caminho pela floresta estava cheio de neve; a cada passo que dava, enterrava-se quase até aos joelhos. A neve acumulava-se-lhe nas sobrancelhas e nas pestanas; tinha de limpar constantemente a cara para conseguir ver. As mãos e os pés doíam-lhe de frio, apesar das camadas de trapos de linho em que os tinha embrulhado.

         Apareceu uma mancha negra à sua frente, no caminho. Era um corvo morto. Neste inverno, até esses robustos necrófagos morriam de fome: os seus bicos não conseguiam rasgar a carne podre enregelada. Hrotrud estremeceu, apressando o passo. Gudrun, a mulher do cónego, tinha entrado em trabalho de parto um mês antes do previsto. Linda altura para uma criança nascer, pensou Hrotrud amargamente. Cinco crianças nascidas só no último mês e nem uma só sobreviveu mais do que uma semana.

          Um violento turbilhão de neve cegou Hrotrud. Por momentos, perdeu de vista o caminho mal assinalado. Sentiu uma onda de pânico. Já tinham morrido mais do que um aldeão naquele caminho, andando em círculos a pouca distância da sua própria casa. Esforçou-se por se manter direita, enquanto a neve rodopiava à sua volta, envolvendo-a numa paisagem branca. Quando o vento abrandou, mal conseguia vislumbrar o caminho. Continuou a marcha. As mãos e os pés já não lhe doíam; estavam completamente dormentes. Ela sabia o que isso podia significar, mas não podia ligar; era importante manter a calma.

          Tenho de deixar de pensar no frio.

           Lembrou-se da casa onde tinha nascido, uma bela casa com uma herdade próspera, de cerca de seis hectares. Era quente e aconchegada, com sólidas paredes de madeira, muito mais bonita do que as casas dos seus vizinhos, construídas com simples traves de madeira, cobertas de argamassa. Na sala principal, havia uma grande lareira, com o fumo a sair em espiral por uma abertura do telhado. O pai de Hrotrud usava um belo manto de pele de lontra por cima da sua camisa em linho fino e a mãe usava fitas de seda nos seus longos cabelos negros. Hrotrud tinha duas túnicas de mangas largas e um manto da mais pura lã. Lembrava-se de sentir junto à sua pele a maciez e a suavidade do tecido fino.

            A papisa Joana, Donna Woolfolk Cross, Editorial Presença

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