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08 abril 2012

Excertos para a Prova Oral do CONCURSOS NACIONAL DE LEITURA

Vamos todos aproveitar para conhecer estes dois livros.
Quem não leu em férias aproveite para ler estes dois exertos, que vão ser utilizados para a prova oral, em Lisboa:
Secundário

Teolinda Gersão. A cidade de Ulisses. Sextante Editora

«A ideia que guardo é a da casa como um espaço dividido, o espaço ameaçador do
meu pai e o mundo aventuroso e secreto da minha mãe. Passa-se de um para o outro
através da escada: o sótão era um lugar ilimitado, como se boiasse no ar ou assentasse nas
nuvens. A minha mãe estendia na mesa uma folha de papel e punha ao meu alcance lápis
de cor, pinceis e tintas.
Então tudo começava a ser possível: bastava eu querer e uma coisa aparecia: o sol,
um pássaro, uma árvore, uma folha de erva. Ela dizia sim, e sorria. Éramos cúmplices e
partilhávamos um poder mágico, cada um desenhando numa folha de papel. Estávamos no
centro do mundo, e ele obedecia. Fazíamos o sol subir no horizonte, púnhamos um carro na
estrada, um moinho um monte, pessoas acenando das janelas. Tudo o que quiséssemos
acontecia. Tudo.
Pintar, descobrir, nunca acabava. Apenas era interrompido por tarefas desprezíveis e
inúteis como comer, lavar as mãos, tomar banho, ir para a cama, dormir. Mas no dia
seguinte recomeçava, como se não tivesse sido interrompido. Cada dia era novo e trazia
coisas novas, o jogo de pintar nunca se gastava.»



Virginia Woolf. Flush, uma biografia. Relógio d’Água

«Após tais humilhações qualquer cão ou até qualquer ser humano sentir-se-ia
desfeito, mas Flush, apesar da sua brandura e suavidade, tinha um brilho intenso nos olhos.
As suas paixões ora se manifestavam como chamas ardentes, ora como fogo latente
coberto de cinzas. Resolveu encontrar-se com o inimigo frente a frente e a sós. Não
consentiria que terceiros interrompessem este combate final. A luta devia ser apenas entre
os dois. Uma terça-feira de tarde, dia vinte e um de Julho, desceu sorrateiramente as
escadas e esperou no vestíbulo. Não teve de esperar muito. Após uns momentos ouviu os
passos pesados, na rua, e a pancada na porta, já tão seus conhecidos. Mr. Browning entrou.

Pressentindo vagamente um ataque eminente, e estando resolvido a enfrentá-lo com todo
espírito de conciliação, trouxera um pacote de bolos. Ali estava Flush no vestíbulo. Mr.
Browning, cheio de boas intenções, tentou acaricia-lo; até talvez lhe tivesse oferecido um
bolo. O gesto foi suficiente. Flush saltou para o inimigo com tal violência que não há
comparação possível. Mais uma vez os seus dentes abocanharam as calças de Mr.
Browning. Mas infelizmente, com a excitação do momento, esquecera-se do mais
importante – o silêncio. Ladrou; atirou-se a Mr. Browning e ladrou furiosamente. Todo aquele
ruído foi suficiente para alertar o pessoal da casa. Wilson precipitou-se pelas escadas
abaixo. Wilson bateu-lhe com força. Wilson dominou-o totalmente. Wilson arrastou-o de uma
maneira humilhante. A humilhação estava em ter atacado Mr. Browning e ter sido Wilson a
bater-lhe. Mr. Browning não levantara um dedo e, levando os bolos, continuou a subir
sozinho as escadas, até ao quarto, sem ter sido ferido, sem mostrar qualquer emoção. Flush
foi levado dali.»
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