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16 abril 2012

Crítica a Flush

Num importante jornal do Brasil - a Folha de S. Paulo, surgiu, no suplemento, esta crítica da obra de V. Wolf. É simples e chama a atenção para algumas pormenores que podem ser relevantes para a prova.


 
"Flush não é um cão qualquer. Mesmo antes de ser retratado por Woolf, já fazia parte da nobre linhagem de animais literários, que remonta a Argos, cão de Odisseu. Flush pertenceu à poeta inglesa Elizabeth Barrett, posteriormente Browning. A esse cocker spaniel dourado, Barrett dedicou dois poemas.

Na década de 40 do século 19, bairros aristocráticos como Mayfair desfrutavam a incómoda proximidade de cortiços e maltas de criminosos. Bastava uma ligeira distração das senhoras para que seus totós [animais de estimação] fossem sequestrados por esses vizinhos. Foi o que ocorreu com Flush, não apenas uma, mas três vezes. Numa das ocasiões, Barrett se viu obrigada a meter-se num cupê para negociar o resgate com os malfeitores.
(...)
Woolf, por seu turno, narra o episódio do roubo de Flush, como vários outros da vida da escritora. Elizabeth Barrett já era famosa quando conheceu o poeta Robert Browning. Tinha 40 anos e vivia reclusa, sob o jugo do pai tirânico. Escreveu sonetos ao amado. Disse para o pai que se tratava de uma tradução sua para versos de Luís de Camões. O pai engoliu a lorota, e os poemas, talvez os melhores de sua lavra, ganharam o título de "Sonetos Portugueses".
O casal foi depois obrigado a fugir para a Itália. A originalidade da narrativa de Virginia Woolf residiria em mostrar esses eventos pela ótica de Flush.(...)

Mas o romance tem aspectos positivos. Um deles está no quadro satírico que a autora traça da sociedade inglesa, coisa incomum em sua prosa. São deleitosos os petardos dirigidos à obsessão britânica com a ancestralidade ilustre e à mania ocultista. Lorde Lytton, por exemplo, costumava surgir diante das visitas de robe puído, fitando-as com olhos esgazeados, pois acreditava ter adquirido o dom da invisibilidade.

Na sua tentativa de plasmar a experiência do cão, Woolf também faz magníficas descrições dos odores (bem antes, portanto, de "O Perfume", de Patrick Süskind): "O nariz humano é não-existente. Os maiores poetas do mundo não sentiram o cheiro de nada além de rosas de um lado e de esterco de outro. As infinitas gradações que existem entre as duas substâncias não foram registradas. Ainda assim, era no mundo dos cheiros que Flush vivia a maior parte do tempo".

No limite, está a questão de como exprimir o insubstancial por meio de palavras. Mas será que elas dizem tudo ou porventura "destroem os símbolos que existem" além de seu alcance? Sem o entendimento linguístico, forma-se entre dona e animal um "vazio espanto". Para transpô-lo, o cão oferece seu amor incondicional, e a poeta, seus versos. "Este cão apenas, guarda-me, /Sabendo que quando finda a luz /O amor continua a brilhar", canta Barrett. Com "Flush", Virginia Woolf presta sua homenagem ao romantismo.

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