Os Lusíadas - exaltação e consciência crítica
Nem só de exaltação e glorificação vivem Os Lusíadas. Camões é também a consciência crítica que faz o diagnóstico lúcido e sombrio de uma decadência que se aproxima. Não desconhece nem esconde os erros, os defeitos e os crimes de tantos portugueses. No final do canto VII denuncia com mágoa a hipocrisia, o espírito de adulação, o abuso do poder, a exploração dos humildes; e queixa-se com ironia amarga da ingratidão dos contemporâneos. Camões lembra que a Cristandade atravessa um momento crítico abalada no seu interior pelas divisões religiosas motivadas pela Reforma, e ameaçada do exterior pelo poder turco que alastra da índia até à Europa Central. É justamente esta situação de enfraquecimento que a gesta dos descobrimentos vem compensar. Mas entretanto, sentimos o poeta tremer perante o perigo e perguntar: Vencemos I Somos derrotados? Nesta obra que canta a ousadia e a coragem, o medo também se diz na fala do Velho do Restelo, onde se ouve a voz do passado inquieto perante o futuro. Os Portugueses vão abandonar a segurança da Terra, a estabilidade, e lançar-se na aventura marítima, no risco do desconhecido. É esse momento que simboliza toda a despedida, o cortar das amarras.
Mas pior do que a fala do Velho do Restelo é a conclusão da obra, terminando o canto que se reclama de «puras verdades» com uma recompensa imaginária. Enquanto toda a acção narrada se passa no plano real histórico, o prémio consiste num sonho. Um sonho maravilhoso... mas um sonho. ..
Afinal a apoteose encerra um fundo pessimista, confessa que o poeta não acredita na recompensa real dos heróis, não confia na justiça divina. Celebra um povo, mas ao mesmo tempo revela a incapacidade que esse povo tem em saber reconhecer os seus filhos mais dignos. É esta bipolaridade, esta distância entre o épico e o anti-épico, entre o ser e o parecer que atinge o cerne da obra ou o seu equilíbrio, pondo em causa a sua finalidade épica que lhe esteve na origem.
Tudo isto é a expressão de um mundo em crise. No renascimento português, os valores medievais, que se mantêm até muito tarde, encontram-se com os da Contra-Reforma, assumida de forma rigorosa e severa, construindo-se o poema neste universo oscilante, entre valores contraditórios.
Maria Vitalina leal de Matos, Tópicos para Uma Leitura de Os Lusíadas, Editorial Verbo, Lisboa, 2003
Reflexões presentes na obra:
. a insegurança e as falsidades da vida;
. o desânimo do poeta face ao desprezo dos portugueses pelas letras, e em especial pela poesia;
. o valor da honra e da glória;
. o elogio à tenacidade portuguesa;
. a sua infelicidade;
. a crítica aos seus opressores;
. o poder do "vil metal" - ouro;
. o significado e o valor da imortalidade.
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